segunda-feira, 24 de junho de 2013

Reviravolta

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Estava lá, trajando um belo vestido branco, como da primeira vez. Batom vermelho, coração cheio e sorriso estampado. Estava lá, trajando um blusão quentinho, como da primeira vez. Rosto misterioso, coração intenso e palavras sinceras. Era um dia desses, de inverno gostoso, não tinha chuva, só um céu bonito, e os dois. Esquentavam-se apenas com a presença um do outro. Formavam quase um corpo só. Um corpo tão feliz. Parecia que haviam esperado anos por aquilo. E era tudo tão bom. Estava lá, e eram meses que pareciam séculos na memória daquela menina. Estava tudo lá. Num passado que ia se tornando a cada dia mais distante. Primeiro foi uma semana, depois duas. Agora, quase um mês. Ou talvez, ela tenha se perdido na cronologia diária, porque cada restinho de memória ia se perdendo. Perdia-se tanto quanto essas palavras. Ela nem sabia mais escrever. Rompeu tudo. Desde aquele dia, ela parou de escrever. Esquivou-se do sonho de fazer um livro. Criou um campo a sua frente, e foi-se embora. Sem nem saber pra onde.

Um dia desses, ela estava lá, seus pés pisavam ladrilhos azuis, e expelia sangue, aos poucos, a cada passo, uma palavra perdida, um corte feito. Eram pontudos e perfuravam a pele com força, sim, a moça já nem sabia o que era pele e o que era corpo. Tudo esfacelava-se. Tinha pó por todo canto, roupas caídas, fotos rasgadas, e ela cuspia pra fora, uma montanha de sentenças. Pra que em algum momento, pontuasse uma sentença final.
Era um redemoinho de sensações. Seus pulsos estavam quentes, e seu coração batia numa velocidade que atravessava o tempo comum. A moça corria como nunca havia feito antes, os cabelos esvoaçavam conforme o vento tocava-lhe o rosto. Uma trincha de sol iluminava seu corpo machucado. Escorregava, pois seu corpo não aguentava mais parar em pé. Sentia as pontas dos ladrilhos perfurando-lhe inteira, dilacerada junto com seus pensamentos que não possuíam pontuação.
Nada importava. Ninguém entendia. Não havia céu. Nem voz. Ela gritava. Esperneava pra alguém. Mas nem os ladrilhos azuis mimetizavam-se pra ouvi-la.

Estava embriagada de lembranças, e infelizmente, por insanidade e (amor demais), ela não soube mais escrever. E já que, as palavras eram ela, porque era assim que se dava o corpo dessa menina, formava-se por pontos, exclamações e tentativas de palavrear. Já que não havia mais verbo, nem sujeitos. E tudo estava bem longe de ser qualquer conto com final feliz. Essa moça, afogada em absinto e clamores internos... Se rendeu, aos ladrilhos azuis, cujo sangue perpassava e tornava-os roxo.
E eu vos digo, era tudo roxo demais, pra conseguir verbalizar.

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