domingo, 29 de agosto de 2010

Assim.

Em uma superfície cristalina e silenciosa, planavam dois barquinhos de papel – desses feitos com jornal matinal, origami. Despertava, seguido de uma quarta-feira barulhenta e cansativa, o lago.

O lago estava lá. Intacto. O vento soprava e levava os dois barquinhos de papel para qualquer sentido. Não importa que lago era esse e nem porque existiam dois barquinhos de papel em sua superfície, o que importava é que eles estavam ali, juntos.

Nas margens, d’ onde narcisos brotavam lívidos, a relva também despertava guarnecida de gotículas de orvalho fresco. Mas o lago também tinha, ainda que estivessem preguiçosos pássaros. E era uma verdadeira legião deles, multicoloridos. Emplumados, cantavam como uma festa sambada, seus bicos afinados e seu rechonchudo tórax, amarelo. Diversas vezes, um peixinho azul vinha até a superfície quebrar o espelho d’água, tornando diversas ondinhas que se dissiparam até a margem, crispando-a.

E tudo isso, formava um local mágico, permeado de cores, tons, sombras. Quanto às sombras, não eram qualquer uma, eram as sobras das árvores que ficavam á margem do lago. Nunca tinha visto árvores com uma vivacidade tão verdadeira, e mesmo as mais velhas, elas possuíam algo tão peculiar em suas folhas que é impossível passar ao papel o que eu sentia e via naquele momento.

Quando por fim os barquinhos beijaram a margem do lago circundado de verde (puro verde, verde intenso e intacto), era como se um vendaval tivesse despertado. Como se os barquinhos fossem válvulas de uma hidroelétrica que despertava a sua fúria, ora molhados, ora violentos, em um ritmo acelerado e, ao mesmo tempo, em câmera lenta. Sentia seu cheiro. Cheiro de chuva no deserto. Foi quando tomei posse do que estava acontecendo.


Tomei consciência de que o vendaval já havia passado. A questão é que nem todo vendaval é ruim, e no fundo esse vendaval fez muito bem aos barquinhos, naquele momento. Por alguns instantes parecia mesmo que o local em que os barquinhos estavam era mágico, pois até o vendaval diferia de qualquer outro vendaval ocorrido no mundo, pois esse não possuía vento. Esse foi um vendaval único. Intenso e singelo. O problema é que são nas coisas mais singelas que eu enxergo a beleza, como Cecília Meireles mesmo disse: “(...) uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante da minha janela, e outros finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.” E talvez um dos barquinhos precisasse olhar dessa forma, para que nesse momento da narrativa quando o vento voltava a soprar calmamente, esse barquinho não fosse embora.

Tão era a incapacidade de permanecerem juntos que, mesmo os barquinhos tendo, na alvorada, uma grande luta pela frente – pois eu vos digo que o pé d’água não cessara tão cedo, pois não só da chuva vinham as gotas, como também da fina proa dos barquinhos, vazados ao fundo. Terminada a viagem, a aventura, por assim dizer, o psicótico vento oeste carregou finalmente um deles, tendo como intuito fazer o que a própria natureza desejava, para infelicidade dos itinerantes que ali queriam viver e viajar, juntos naquelas torrentes incessantes. Há males que vêm para o bem.


Por Kaio Cassio e Inaiara Gonçalves, em um dia ensolarado.

5 comentários:

  1. Bom... Tomem cuidado com os chavões mas ta bom ;)
    meigo :)

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  2. HAHA, os chavões ferram com tudo ._. Mas é inevitavel, eles existem. -q

    Meigo? Bg, eu realmente nunca imaginei que alguém chamaria esse texto de: Meigo. RS.

    Mas de qualquer maneira, obrigada pelo comentário. E boa sorte com seu blog *--*

    beijos, saudades !

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  3. Este texto me amedronta e me admira. Não só porque vocês foram incríveis com as palavras, mas porque foram tão ambíguos que chegam a me confundir.
    Enquanto um tentanva levar o rumo do texto para um lado o outro puxava com seus vendavais para o outro e tudo acabou no nada, como uma luz que se apaga depois de um cansativo dia, trazendo o silêncio seco e delicioso de uma noite.

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