sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

in-festa

O bolo pequeno esfarelava por entre a mesa guarnida com guardanapos coloridos. Sua boca estava seca e não conseguia digerir nem ao menos uma pitada daquele doce que agora estava absurdamente enjoativo. Com as pontas dos dedos picotava os guardanapos enquanto ele falava sobre porque se sentia daquela forma. Roía as unhas. Doía o peito. Lacrimejavam os olhos. Farrapos de guardanapos espalhados pelo chão. Ao seu lado, perguntava-se o porque da recusa corpórea. Sendo o beijo tão delicado, o toque tão profundo... Por que hoje não? Por que manias estranhas? 
Ela compreender não significa que entende.
Porque sente. E o que sente fica grudado no fundo da pele. E sente que ele
recusa
amor
corpóreo
e que talvez ela seja o bolo pequeno e enjoativo. 
rasgos internos perpassam as palavras conturbadas que nada dizem direito.
recusa gera recúo.

-Desculpa por não ser bonita o bastante. -disse recuando o corpo para que ele não enxergasse as lágrimas de perto.-

-Você só fala besteiras.

Posava uma mosca no bolo de cobertura cor-de-rosa enquanto posava tristezas no coração da garota. Zunindo absurdamente, tanto a mosca quanto os pensamentos da menina, o mundo lhe escapuliu pelas mãos... Disse o que não queria. Sentiu o que não devia. Chorou o que não cabia.
Atrasou o moço que tinha horário para chegar em casa. Ele não jantou com o pai. Perdeu a hora assim como perderá a vontade de beijar. Não houve festa. Só duas pessoas, o açúcar oleoso do bolo, um comportamento peculiar que causou sentimentos horríveis à moça e mágoa. Houve mágoa.
Esfarelando-se em palavras, cuspiu-as para fora junto a saliva açucarada:
-Eu estraguei tudo.
Se quiser, não volto mais o ano que vem.
Boa sorte com os futuros bolos enjoativos que não dão pra comer.

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