terça-feira, 19 de julho de 2011

Um texto inacabado

Estávamos em Paris, juntos. Quando uma garoa começou a cair... Olhamos um para o outro com um ar de desespero e resolvemos encontrar um lugar coberto. O problema é que ali não havia nenhum lugar coberto, RS A chuva engrossava conforme andávamos para fugir dela, como se ela nos perseguisse e quisesse nos dizer algo. Então começamos a rir, aquela risada sincera. Via em seu olhar, a felicidade.

Meus passos seguiam no encalço de Clair, chapinhando nas perturbações do caminho pedregoso — inumeráveis poças se estendiam diante de nós, um problema menos relevante quando tínhamos a fúria dos céus a nos despejar água gelada aos trambolhões.
A corrida infundada arrancou-me um bocado de energia e eu tive de parar. Molhado e enregelado até os ossos, não havia mais que fugir. — Espere, Clair! — E recostei, arquejante, numa parede próxima. O contato da pedra com minhas costas também geladas me provocou um tremelique, que foi logo acompanhado dum guincho. — Ah, quer saber? — eu disse, desvencilhando-me da construção e saltando da calçada, pronto a atrever-me bem no meio da viela — então deserta —, dando-me de todo à água celeste. — Como já estamos irreparavelmente molhados, que nos deixemos lavar por completo, não é? — Abri os braços a chamei-a com os dedos. — Venha!
Eu passei a caminhar paulatinamente sobre o chão irregular, sem sentir — ou, mais apropriadamente, sem me preocupar — os pingos que me rasgavam a pele, tão ardentes caíam.

Riamos para alto ainda, rodávamos acompanhando o vento, e deixávamos a chuva cair sem se preocupar com o resfriado que poderíamos pegar. Foi quando chegamos a um jardim, cheio de flores, eram lindas, permeadas por cores, sombras... E ele, em meio à chuva tornava-se mais bonito ainda, as gotículas caiam sob as folhas das arvores e eu me sentia tão bem, como nunca tinha me sentido antes. Era como se eu acabasse de entrar em um mundo subterrâneo, como Alice no País das Maravilhas. Como se eu e ele voltássemos a ser crianças, por um dia.

Era muito agradável o que o acaso nos reservava. Um jardim muito pomposo e diverso! Vi-me a sorrir dentro de uma pintura de Monet e, conquanto não houvesse sol, a paisagem parecia-me satisfatoriamente iluminada. Passeando entre uma sorte de flores que era um deleite, segurei o braço de Clair, pois ela caminhava com maior ligeireza — e, é certo, eu não desejava perdê-la naquela fatia de bosque. Encarando-a de frente, apontei para o caos de pétalas e cores. — De qual flor você gosta mais? — perguntei, eu próprio tentando encontrar minha favorita entre tantas belezas.

Sorri e disse — Gosto de todas. A coisa que mais amo nesse mundo são as flores. Sabe por quê? Porque elas não julgam ninguém e estão sempre abertas para serem tocadas. E você, querido? Hm Tem uma predileta?

Observando o local, olhei para o chão e encontrei um livro caído, tinha capa dura e preta, e era todo adornado com flores, mas engraçado, não possuía nada escrito dentro. Puxei-o para perto e disse: - Boris, o que é isso?!

Encarava as flores, absorto em suas sutilezas várias, descobrindo raridades a cada porção de espaço que o olhar varria. — De fato... Elas são bem gentis. — Sorri. Ante a pergunta de Clair, pus-me a ponderar por um instante sumário, no qual lancei as orbes por todo o entorno, como que para confirmar o que diria a seguir. — Gosto muito dos girassóis. — E apontei para um amontoado de flores amarelas ali perto. O contraste das pétalas solares com o centro negro era admirável... bem como o porte soberbo das flores. — São lindos, não?
Fui despertado de meus distantes devaneios a fitar girassóis com um chamado da garota. Levei alguns segundos para atentar para o que ela me indicava — um livro? Olhei para o objeto e quis pegá-lo. — Deixe-me ver... — Folheei-o sem interesse e o passei a Clair. — Hm, não deve ser nada importante. — Com um suspiro, volvi a atenção ao cenário.

Então o olhei com surpresa e disse - São raras as vezes que um livro não te interessa, Boris.

Observei o livro, estava realmente em branco, suas folhas eram antigas, mas possuíam algo de muito peculiar. Resolvi então fazer um pedido a Boris. –Boris, que tal escrevermos nele todas as nossas aventuras ou se preferir passeios por Paris, aposto que dará uma excelente história! O que acha?

Sorri e lhe passei o livro em branco, e completei: - Quanto aos girassóis, são lindos sim, é como se eles sorrissem para a gente, não? Queria lhe agradecer, por essa viagem maravilhosa que estamos tendo juntos. Hm

Virei-me bruscamente, afetando indignação. Disse, divertido: — Pois são igualmente raros os livros em branco, não é? — Sacudi a cabeça e estalei os lábios, em desaprovação. — Gosto de ler o que há para ler, ora essa! — Com uma risadinha, apertei o passo. Mal havia notado que a chuva cessara de cair... apenas o ar frio da noite fazia com que bailassem as fileiras de flores, tão delicadas quando genuínas bailarinas de carne e osso.
Estaquei em minha caminhada e voltei a Clair. — É uma boa ideia, mas... — Com uma sobrancelha arqueada, olhei com desconfiança para o insólito livro que minha companheira carregava. — Mas e se isso pertencer a alguém? Quer dizer, nós estamos em terreno particular. — Lamentavelmente, aquele deleite de jardim não era público (e não era nosso, tampouco!) — Não devemos nos apoderar de coisas perdidas dessa forma... — Transfigurado num adulto responsável e ganhando ares de bem refletido, apertei o braço cuja mão segurava o objeto misterioso. — Deixe isso aí.

-Sim, são raros e por isso mesmo não posso deixa-lo aqui, jogado! Boris, pode até me importar o fato dele ser de alguém, mas se é de alguém, é de uma pessoa que o despreza, ele está jogado! E é lindo! Adornado com flores, eu sempre quis um livro assim, e você sabe disso mais do que ninguém. Não vou deixa-lo aqui. Está decidido.

Agarrei o livro com força, sorri para Boris e pedi a ele com os olhos para me deixar ficar com o achado precioso. Continuei andando e observando o local, que chegava a me parecer mágico. Chamei Boris que estava um pouco atrás e perguntei: - Que tal brincarmos de pega-pega? -Dei risos altos. - Deve estar me achando uma completa louca, mas acho tão agradável correr entre as flores, por favor, vamos, vamos! -Pedia como uma criança mimada, mas estava trajando um vestido branco e usava uma flor vermelha no longo cabelo, nada remetia a uma criança além do meu olhar suplicando para começarmos a brincadeira.- –Será divertido, está com você! Coloquei o livro em um canto e comecei a correr.


Por Renato Trevizano e Inaiara Gonçalves.




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